Aprovam um copo de gracejo

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O soberano

Dionísio era um belo rapaz, realmente atraente. Os cachos eram de um loiro avermelhado que causava inveja em todos ao seu redor, sempre sedosos e estendidos até a nuca. A pele, lisa como a de um recém nascido, possuía um bronzeado único e embora seus olhos fossem mais um atrativo pela cor esverdeada, o que mais chamava atenção era o seu olhar. O jovem era frequentemente comparado pelas vizinhas suspirantes a um semideus enviado à Terra com o propósito de seduzir os pobres mortais.
Até o mesmo completar suas dezoito primaveras, nunca se ouvira dizer em paixões em sua vida. Coisa estranha para um rapaz daquele porte. Muito estranha, mas as vizinhas não deixavam de suspirar.
Quando o verão chegou, trouxe consigo uma flor de lis para Dionísio. Uma bela jovem trombou em seu caminho. Os dois desabrocharam juntos. Victória, no auge dos seus dezessete anos, o conquistou com as sardas que percorriam todo o seu corpo de violão e seus olhos castanhos amendoados. Parecia que tudo o que faltava em sua vida e todo o vazio existencial se extinguira com a chegada da moça. Até o olhar sedutor do rapaz havia mudado. Ganhou um toque a mais, um brilho inexplicável.
E foi por esse motivo que Dionísio sentou-se no trono e foi coroado rei. Rei Sol. Essa virtude de ser Sol pode ser vista poucas vezes na vida. Todo mundo pode ter, só que corre o risco de não compreender no momento certo. Como se na hora da coroação do indivíduo, ele simplesmente dormisse e quando acordasse seria tarde demais. Mas enfim, o fato é que Dionísio não foi coroado por ter se apaixonado por Victória. Foi um motivo muito mais simples: seu sorriso.
A partir do momento em que Victória se instalou em sua vida, o sorriso de Dionísio mudou. Não que antes fosse feio ou lhe faltasse um dente, nada disso. Ele passou a sorrir diferente. Não era um meio sorriso, ou um sorriso forçado que aparece quando se recebe um presente que não tem nada a ver com você. Não era um sorriso de conforto, muito menos de falsidade. Ele sorria por inteiro. Sorria com a alma. E meu caro, quando se sorri com a alma, você vira um rei. Rei do teu eu. 
O que aconteceu depois da coroação e do cetro reluzente em sua mão, é que Realidade, uma velhinha que não se sabe se tem um rosto com verrugas ou se as verrugas tem um rosto, resolveu dar um pulo no castelo, carregando uma bolsa maltratada. Comeu do seu frango, bebeu do seu melhor vinho e resolveu falar tudo. Disse-lhes as coisas que a paixão esconde. Contou sobre o passado obscuro de Victória que o rapaz até então não conhecia e sobre seus maiores defeitos. Bebeu o ultimo gole do seu vinho, deu meia volta e saiu pela porta, deixando o rastro de veneno no tapete vermelho, com o tão estimado sorriso de Dionísio dentro da bolsa e outro em seus lábios, totalmente irônico.
O rapaz sentou-se no trono pela ultima vez, totalmente confuso. Pensava sobre a verdadeira Victória que ficava escondida embaixo da pele impecável e pensava no medo do seu futuro de monarca estar ameaçado. Tentou tirar a tristeza expressa em seu rosto, buscando lembranças de momentos bons. Nada. Foi-se o Sol. Foi-se o trono. 
Há quem pense que sua história terminou assim, com a coroa no chão. Existe trono para quem pisa pelos bosques da tristeza também. Para quem sente aquela tristeza profunda, onde a melancolia se metamorfiza em carrapato e gruda no pescoço. Com as lágrimas incessantes e principalmente por culpa do olhar vazio, foi coroado mais uma vez. Rei Chuva. Dentro de uma nuvem acinzentada que fora seu castelo, Dionísio recebeu a coroa de espinhos e o cetro de serpentes. Chorava por chorar. Chorava pela saudade do sorriso porque simplesmente não conseguia reconquistar o mesmo. Tentou revê-lo várias vezes, mesmo tendo em vista o seu roubo, mas os espinhos que fincavam-se no seu couro cabeludo e na sua testa faziam-no parar. Aos poucos, a busca foi se sessando até esquecer por completo o que era a felicidade. A sua vida havia virado a sua própria coroa de espinhos ensanguentados e Victória havia fugido com o recém coroado Rei Sol, com medo de infelicidade ser uma doença contagiosa.
Dionísio implora todos os dias para Realidade voltar, chora e grita por ela. Os servos continuam dizendo que está escondida dentro dele, em algum lugar repleto de escuridão, mas passaram-se duas décadas e ele ainda não a achou. ''Realidade, cade você?'' insiste o rapaz. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário