Aprovam um copo de gracejo

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A bela Luiza

Eram três, todos seus filhos. Bem arrumados e perfumados, andando sempre penteados. "Essas crianças são umas joias, como os pais!" diziam os familiares, vizinhos e curiosos. Legos ficavam espalhados pela casa assim como pelúcias eram jogadas pela cama. Risos acompanhavam os corredores. É engraçado como o riso frouxo de criança é a felicidade idealizada para muitos. 
O carpete vermelho cheirava à bolacha. Na verdade, não cheirava só à bolacha. Era acompanhado por talco. Não era lá uma combinação muito agradável para se sentir ao deitar no chão e ficar olhando o teto, como a bela Luiza fazia todas as noites, principalmente pela mesma ser viciada em limpeza, mas servia como um divã improvisado. 
Na verdade, ela não se importava com muitas coisas além da cozinha estar sempre impecável, do travesseiro estar sempre desamassado e das escovas de dente sempre limpas. Não se importava em ter que usar um de seus vestidos que cobriam o colo e as canelas sempre que sua mãe fosse fazer uma visita. Preferiria usar uma camiseta largada e um shorts, mas tentava não pensar nisso enquanto sentava com a postura impecável e comia silenciosamente na companhia da senhorinha com olhar de reprovação. Os esforços de criar a perfeição para a mãe nunca foram suficientes. Certamente, Luiza crescera inconformada com a repreensão dos pais, mas largara o codinome de garota rebelde na mocidade. De fato havia mudado. Talvez achasse que nenhum esforço seria válido e que não seria possível mudar o mundo, como acreditava em seus 17 anos. Talvez só tivesse se acomodado com o marido, doutor Euclides, médico renomado por sinal. A cidade inteira o conhecia e seu nome saia no jornal local hora ou outra. Visto de longe, o homem ideal e muito cobiçado. De perto, um machista ignorante e egoísta. "Realmente, é uma joia aquele homem" comentavam. Era uma joia, principalmente quando deixava a pobre Luiza com a cama vazia para fazer plantão no hospital ou para ir ao teatro. 
Mas, além de demonstrar total irrelevância para a sua total submissão ao marido e a mãe, Luiza se esquecera muitas vezes de si. Tentava buscar o pouco que fosse - ou que restasse - de sua felicidade nos sorrisos dos filhos, mas as olheiras fundas e arroxeadas denunciavam as noites mal dormidas que passava divagando sobre a sua inutilidade. 
Sua rotina se baseava acordar, cuidar dos filhos, arrumar cada detalhe da casa e por fim, quando a noite chegasse, deitar em seu carpete. Perguntava-se quando deixaria de se sentir tão incompleta e quando o marido admitiria que o teatro faliu há quatro meses. Não era boba, estava longe de ser. Era mais uma poeta com o caderno em branco e incompreendida, sugada pela imundície mundana. Pensava no darwinismo social e em até que ponto seria vantajoso ter que se adaptar ao meio em que está, se para isso teria que largar o simples ato de ser e de ter seu próprio pensamento, suas crenças e ideologias.
Talvez Luiza tivesse perdido o essencial: o sentimento de esperança que só a juventude carrega. 
Infelizmente amadurecera por completo. 



2 comentários:

  1. Que lindo amiga, parabéns, talento são para poucos, mas sinceramente o nome que você deu pra menina tá o melhor kkkkk adorei!

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