Aprovam um copo de gracejo

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A empilhadora

Depois de cinco anos estagnada em meu apartamentinho quarto-cozinha-banheiro, decidi me mudar. Decidi mudar. 
Passei horas e mais horas empilhando caixas. Azuis, rosas ou amareladas. Pequenas, medianas, gigantes. Listradas ou não. A maioria amontoava-se e formava bolor, acompanhando aquele cheirinho de mobília antiga. Outras com furos e rasgos eram anexadas pelas minhas mãos já trêmulas, por conta da excitação pela mudança, ou simplesmente com medo da minha rinite atacar. 
Estava arrumando um jeito de desmontar o abajur e o colocar em uma caixa visivelmente menor que o mesmo quando me deparei ao fundo (ou no meio, tanto faz, era pequeno do mesmo jeito) do meu quarto uma caixa já lacrada. 
Era grande e com uma quantidade considerável de poeira em toda a sua extensão. Não tinha cor. Não era listrada... Não tinha furos nem rasgos. Era só uma caixa. Fitei-a. Fitou-me. Fitamo-nos. 
Fui ao seu encontro e a encarei novamente por cinco bons minutos. Eu, como uma ótima colecionadora de bugigangas tentava me recordar ferozmente do que continha lá. Mais cinco minutos, depois dez, depois cansei. Avistei então, um bilhete e o peguei. Estava com uma grande camada de sujeira, então limpei delicadamente para que conseguisse ler, em voz alta.
- Eis o motivo.
Maldita curiosidade. Lembrei-me. Desejei esquecer. Não funcionou. Tinha, afinal, um motivo para estar tão embolorada. Um motivo que eu acreditava veemente em ser forte o suficiente para não abri-la novamente, depois de tanto tempo.
“Você tem que seguir em frente, Ana”. “Acabou, supere isso”. “Esqueça”.
Era o que todos diziam. Mas de que adianta olhar para frente, se o passado não evapora, simplesmente?  
E se eu quiser guardar? Pode ter sido doloroso, eu sei. Pode ter sido difícil encarar a maldade mascarada que acompanha a beleza da utopia, mas valeu tanto a pena na hora que esquecemo-nos dessa tal beleza do momento e nos agarramos ao resto. Talvez seja por isso que nos tornamos tão hipócritas. Sofremos o efeito do Mal, mas também o causamos. Então por que diabos ficamos nos remoendo? 
"Pode ser que o que complica em ter que encarar a realidade, é enxergar que algo lindo, como um sorriso, se transforma no fim, em uma memória árdua, tudo porque sabemos da existência, mas não conseguimos entender o maniqueísmo presente na vida" Pensava eu, cinco anos atrás. 
Continuei olhando-a, querendo que ela simplesmente evaporasse. Não, não direi o que continha nela. Só direi que você também tem uma dessas, bem no canto do seu quarto, cheia de poeira e embolorada. Ela também não tem cor nem listras. E você também tem medo porque afinal, você é um ser humano, ora. Muitas vezes queremos viver como os escritores e pintores árcades, sem lembrar que não se vive só de utopia. Eis a prova, todos morreram. Mas eles também tinham uma caixa. 

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