Aprovam um copo de gracejo

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Limão açucarado (Parte I)

Em algum momento, não se sabe ao certo qual, as crianças, aventureiras natas e imperatrizes da imaginação, soltam as mãos dos pais no meio da rua e distanciam-se, mesmo que por alguns segundos da bolha protetora formada ao redor das mesmas. Segundos esses que são suficientes para a Barraca alcançá-las, estourando a bolha definitivamente. 
Comigo foi minutos após entrar na biblioteca da Igreja da comunidade em que morava, pelo deslize da minha avó que me deixou solta por algum tempo, longe de seus olhos bem vividos. A Barraca surge assim, em qualquer lugar e a qualquer hora. Ela apenas espera, sempre despertada e com ar acolhedor. As cores chamativas do seu exterior são a arapuca perfeita para qualquer criança inebriar-se sem uma gota de álcool sequer. Mas, na hora em que surgiu para mim, não foram as cores que me puxaram até ela, e sim o topo de sua extensão. Bem no topo havia uma figura de um bebê dividido ao meio, em que metade de seu corpo vestia uma auréola e um manto esbranquiçado, e a outra vestia uma túnica vermelha e possuía um chifre e uma cauda escurecidos.  
Era essa uma figura intrigante para um serzinho questionador como eu, e assim que consegui desviar meus olhos dela, avistei a porta estreita da Barraca. Meus pés seguiram os passos da minha mente, e adentrei o recinto desconhecido com a cautela que meus poucos anos terrenos me ensinaram a ter. 
A primeira visão teria sido do enorme balcão de madeira com uma caixa registradora antiga se eu já fosse uma garota crescida. Porém, imediatamente, bati os olhos em uma máscara de porco fantasmagórica. 
''Chama-se espírito de porco, pequenina.'', retumbou uma voz grave vinda de uma caixinha de alto-falante no teto da Barraca. Assustei-me e encantei-me sincronizadamente. Não fazia ideia do significado daquilo tudo nem daquela expressão que cismava em ecoar entre meus cachos jogados, como sopros incessantes de um aniversariante que não consegue apagar as velas do bolo.
Só depois desse ocorrido que reparei verdadeiramente no conteúdo da Barraca. Eram milhares de máscaras, de diversos tamanhos, formas e cores. Não conseguia prender minha atenção em nenhuma delas, e sim em todas elas. 
''Escolha quantas quiser, pequena.'', soou mais uma vez a voz vinda do alto. Percebo agora que alguém observava-me, embora seja uma informação diminuta.
Com toda a educação concedida pelos meus pais e todo o desejo que preencha o meu corpo, obedeci a voz. Comecei a olhar atentamente cada máscara, experimentando uma a uma e com o sorriso infantil escancarado na boca banguela.  
Pobres crianças, não imaginam o quanto a dádiva da ingenuidade que carregam pode ser dicotômica.  

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